terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Contra ocê / Contra ovê: Entrevista – Talles Lopes


A Associação Brasileira dos Festivais Independentes (Abrafin) tem uma nova gestão, pela primeira vez, desde a fundação da entidade. Fabrício Nobre, que teve a responsabilidade de legitimar e dar respaldo ao movimento dos festivais agora sai de cena e dá espaço para Talles Lopes. Fundador do festival Jambolada, que acontece em Uberlandia-MG, Talles também foi durante muito tempo produtor da banda Porcas Borboletas. Oficialmente, a presidência a associação passa a ser também de um membro de gestão dos coletivos Fora do Eixo.

Na entrevista exclusiva a seguir, Talles fala em primeira mão sobre essa nova fase da Abrafin:

:: Tem uma coisa que não me sai da cabeça. Fabrício Nobre, o presidente anterior, era um cara que você bate o olho e já sabe que tipo de música ele gosta. Esta sempre falando de bandas que achou boas e ruins, sempre fala mais de música que de política. E isso é algo que eu sempre acho difícil de ver na turma Fora do Eixo. Que tipo de música você curte ouvir?

Para responder isso, acredito que devo partir do festival que realizo, que é o Jambolada, e é onde minha personalidade está evidenciada publicamente. Se você acompanhar as ultimas 4 programações do Jambolada, vai notar um apreço pela diversidade e uma forte ligação com música brasileira. Acredito que o trabalho do Porcas Borboletas, banda que trabalhei durante 8 anos, também possa ser uma bom norte para buscar estas minhas referencias. Tenho um forte apreço pelos movimentos e nomes mais transgressores da música brasileira, como Itamar Assumpção e Jards Macalé, e fico emociado com o lirismo e lindas melodias do Clube da Esquina, sem deixar de ter já ter pirado muito com todo o rock produzido no Brasil. Nos últimos anos, por conta de todo este trabalho que estamos desenvolvendo ligado a nova música brasileira, passei a ouvir e assistir o que está sendo feito agora, sem muito preconceito ou segregação. No final das contas, temos música boa e música ruim, os gostos são diversificados, e eu acredito que neste momento eu devo me preocupar em melhorar as condições pra que toda a música boa do Brasil tenha melhores palcos e mais festivais pra se apresentarem, ao invés de tentar aplicar a minha personalidade musical neste processo.

:: Qual é a pauta principal de sua gestão na Abrafin?

Talles: Cara, acredito que a pauta principal seja assumir definitivamente o desafio de ser uma entidade de classe, assumindo prioritariamente sua vocação inicial que é a defesa dos interesses dos festivais independentes construindo plataformas pra sua sustentabilidade e desenvolvimento. Durante esta primeira fase, a Abrafin foi o grande celeiro pra disseminação da pauta associativa na música brasileira, sendo incubadora para o nascimento de outras entidades e movimentos como o Fora do Eixo e as Casas Associadas, e neste sentido, pela sua importância politica e grande expertise acumulado na cadeia produtiva da musica por parte de seus filiados, a entidade teve que ser uma grande interlocutora para diversos temas, além de ter um papel fundamental na criação de um campo de mobilização de todos os elos desta cadeia, através da criação da Rede Musica Brasil. Com a RMB consolidada e com a consolidação da perspectiva associativa,temos hj um terreno fertil para q nesta proxima gestão possamos retomar esta vocação inicial, e termos um foco ainda mais claro no processo de qualificação de nossos festivais, dentro de uma plataforma q vamos lançar chamada QUALY.

:: E como vai funcionar esse Qualy?

A idéia é que possamos ter um processo mais intenso de acompanhamento de cada um dos festivais, desde a elaboração dos projetos, passando pelas questões de estrutura técnica (palco, som e luz), até os serviços de atendimento e logistica e as transmissões ao vivo destes festivais, num atendimento personalizado. Para isso, o primeiro passo foi montar uma equipe forte para dar este acompanhamento e a transferência do escritorio da entidade para São Paulo, para facilitar este processo. Sabemos que o primeiro momento seria um momento de grande crescimento da entidade e disseminação da plataforma, e que agora o grande desafio é qualificar ainda mais estes festivais. Mesmo neste primeiro momento já percebemos uma grande qualificação, com melhorias substancias na qualidade das estruturas, e agora precisamos ter uma avaliação mais criteriosa e detalhista, ao mesmo tempo que podemos aproveitar toda o expertise acumulado q entidade possui.

Exemplo: neste final de ano a discussão sobre as rádios virou pauta novamente, depois de uma entrevista que o Lobão deu para a rádio Transamérica. Já estamos discutindo com a Arpub (Associação nacional de Rádios Públicas) uma parceria para a transmissão dos festivais da entidade, com a possibilidade de fazermos transmissão via satelite.

Assim, ao mesmo tempo q podemos fazer o festival chegar a vários locais do Brasil, qualificamos este serviço de transmissão com toda a tecnologia que a Arpub pode oferecer, tanto em equipamento quanto em material humano. Esta é uma das coisas que podem ser feitas e já estão sendo trabalhadas.

Da mesma forma que teremos equipes de suporte para elaboração de projetos e atendimento e logistica, e vamos criar programas de negociação coletivas de serviços e fornecedores, tudo construido a partir desta referencia de qualificação dos serviços e criação de contrapartidas diretas para cada um dos associados.

:: Então podemos dizer que a associação, de certo modo, está se configurando de uma maneira que os mais velhos e experientes ajudam os mais novos a subir. Compartilhando tecnologia, know-how, etc…

Na verdade o que estou dizendo é que a entidade vai se dedicar ainda mais a sua vocação, que é a defesa do aprimoramento desta plataforma. A troca de tecnologia e know how sempre foi um ponto forte de aglutinação da Abrafin, e por isso temos exemplos muito claros hoje de festivais novos, mas que já tem uma produção de excelencia. O que vamos fazer é buscar sistematizar isso de forma mais clara através de um processo de gestão voltado pra isso, ao invés de acontecer de forma espontânea. É claro que contar com a experiência dos festivais mais velhos é fundamental, e a entidade na verdade cresceu sobre este alicerce, com os festivais mais velhos ajudando muito os festivais mais novos. Todo o processo de desenvolvimento do próprio Jambolada se deu sobre este prisma, e acredito que isso vai continuar acontecendo. O que queremos fazer agora é transformar isso num grande programa, inclusive ampliando estas trocas com festivais que não são filiados, mas que tb podem contribuir com isso.

O SWU, o Rock in Rio, o Planeta Terra, o Conexão Vivo são festivais que tem uma grande tecnologia de produção, e que mesmo não estando no nosso espectro de filiação, podem ser interlocutores interessantes, assim como o festival de Parintins, o Festival de Jazz de Ouro Preto e o Festival de Garanhuns.

:: Agora, oficialmente, a presidência da Abrafin é de um membro também do Fora do Eixo. Você acha que existe diferença hoje entre o que é Abrafin e o que é Fora do Eixo?

Sem dúvida nenhuma. A Abrafin, como coloquei no inicio é uma entidade de classe, que tem uma vocação clara, a defesa dos festivais independentes. Já o Fora do Eixo é um movimento bem mais amplo, que não atua exclusivamente na música, e que hoje é reconhecido muito mais como criador de tecnologias sociais e modelos de gestão.

Os dois processos, Abrafin e Fora do Eixo, tiveram um desenvolvimento histórico em paralelo, mas uma genese bem parecida. Quando criamos o FDE era justamente por ter claro que a Abrafin tinha um foco claro e era preciso criar outros campos de mobilização.

O Fora do Eixo hoje está espalhado por todo o Brasil servindo como movimento de base que novos produtores e artistas possam se qualificar e acredito que cada vez mais teremos exemplos de militantes do Fora do Eixo ocupando outros espaços, como foi o caso do Daniel Zen no Acre, que é um dos fundadores também do movimento e que durante 4 anos dirigiu a Fundação Estadual de Cultura no Acre, e nem por isso questionaram se existia diferença entre a Fundação Elias Mansour e o FDE. Não podemos esquecer também que dentro da Abrafin temos produtores que militam em outras entidades também, como a Arpub, a Abeart, a ABMI e a CUFA, e que inclusive fazem parte da nova diretoria, como é o caso do Ricardo Rodrigues, do Festival Contato que milita na Arpub e o Linha Dura que é militante da CUFA.

:: Mesmo com essa diferença tão distinta alguns artistas, principalmente os do “eixo sp” parecem se incomodar com essa relação entre Fora do Eixo e Abrafin. Porque você acha que isso acontece?

Na verdade, eu acredito que isso já diminuiu bastante, e que essa distorção aconteceu principalmente porque trata-se de um movimento muito recente onde não foi possível ainda se nivelar o entendimento sobre todas as informações. Muita gente também desconhece a existencia de uma Arpub, ABMI e da Rede Musica Brasil, e como as relações acontecem em cada um destes campos, e sabemos que um dos desafios desta nova gestão é estar acessível para que todos os artistas possam entender melhor o trabalho que estamos desenvolvendo. A mudança da sede e mudança minha pra São Paulo já vem neste sentido de ampliar o dialogo com estes artistas, e queremos também ouvir o Fórum Nacional dos Músicos, a Federação das Cooperativas e o CBAC, que é uma iniciativa nova de organização das bandas circulantes, capitaneada por Fabio Pedroza, baixista da banda Móveis Colonias de Acajú. Além disso, vamos realizar uma série de Observatórios Abrafin, com o intuito de ter um Programa de Ouvidoria e Debate da própria entidade.

Mesmo entendendo que isso já diminui bastante, sabemos da necessidade de seguir em busca deste nivelamento de informações e de dialogo constante com os artistas.

:: A política de dialogos parece interessante, mas está sempre volta para o associativismo. Essa ala “descontente” é formada quase que totalmente por vozes deslocadas, mas relevantes e influentes. Vocês pensam em alguma abordagem a esses artistas?

Eu acho que a principal fonte que podemos ter dialogo com os artistas está neste processo de qualificação da nossa plataforma de festivais, enfocando pontos importantes para estas vozes dissonantes, como a melhoria das condições técnicas e a remuneração qualificada e justa. Sabemos que o principal anseio do artista numa relação com a entidade está ligado a possibilidade de tocar, e tocar em boas condições, e acredito que esta politica de qualificação vai de encontro a isso: criar condições para que os bons trabalhos musicais circulem pelo país e se apropriem tb desta plataforma q está sendo constuida.

:: E que experiências do Fora do Eixo você pensa em trazer para a Abrafin?

Acredito que são muitas as experiências positivas que podemos tirar do fora do eixo. A primeira delas está ligada a própria construção da equipe de trabalho e criação de uma dinâmica de acompanhamento online qualificada de cada um dos festivais filiados. O dinamismo conseguido pelo Fora do Eixo para conectar e gerenciar ações em rede num país continental é algo muito interessante e com certeza vai ser utilizado. Um outro ponto importante a ser aprofundado na Abrafin, e que o Fora do Eixo desenvolve é uma sistematização e organização regional das suas atividades, e vamos trabalhar fortemente para que isso aconteça também dentro da Abrafin. As ferramentas de transparências desenvolvidas pelo Fora do Eixo, inicialmente com o desenvolvimento dos tec’s e agora com seu Diario Oficial, também é uma ótima referência pra que possamos ter um processo de comunicação com a sociedade e prestação de contas da entidade mais eficiente. Para finalizar, acredito que o principal legado do Fora do Eixo passa pela capacidade de potencializar e sistematizar ações colaborativas, buscando campos de convergência entre os envolvidos, e esse será um dos pilares desta nova gestão da entidade.

:: E o Ministério da Cultura? O que você achou de Ana de Hollanda como ministra?

Bem, em relação ao Ministério da Cultura eu acredito que os últimos 8 anos foram fundamentais para que passassemos a ter realmente na esfera federal um campo de dialogo e construção de políticas públicas para a cultura. Este contexto fomentado pelo Minc ajudou bastante no processo de organização do setor cultural brasileira, seja através da disseminação de pontos de cultura, realização de conferencias, criação de câmaras setorias e articulação do setor em iniciativas como a Rede Musica Brasil. Neste sentido, acredito que boa parte do movimento cultural organizado torcia para que pudessemos ter uma continuidade deste trabalho que foi construído, e infelizmente o nome da Ana Hollanda ainda é uma incognita em relação a isso. Conheço pouco do trabalho dela, mas confio bastante tanto na força e capacidade que estes movimentos organizados hoje tem de dialogar e propor políticas públicas coerentes com as novas realidades do mercado, quanto no discernimento de quem está assumindo este processo a partir de agora para que não possamos ter um retrocesso.

:: Você vem de um estado que tem um dos melhores cases da relação entre setor privado e patrocínio de cultura. E por um tempo, no começo, o setor privado foi um foco da Abrafin que parece ter se perdido. Se perdeu? Vocês tem alguma agenda relacionada a empresas privadas?

Bem, eu acredito que para entendermos este processo precisamos avaliar o que foram estes primeiros 4 anos de entidade. A entidade nasce pautada muito forte pelos necessidades que os festivais tinham de resolver a questão da sua sustentabilidade, e talvez pela forte relação que os festivais e seus produtores tem com o mercado da musica, a busca do patrocinio privado era o norte mais claro. A vivência nos dois primeiros anos de entidade mostrou que era necessário construir alicerces politicos fortes também, para qualificar este patrocinio privado e neste sentido foi necessário fazer uma escolha estratégica, e a escolha foi pelo foco na construção de uma campo de diálogo politico mais forte, e fortalecimento da organização do setor musical brasileiro, para que não ficassemos a mercê exclusivamente dos critérios mercadologicos de patrocinio, que muitas vezes são instáveis. Não podemos esquecer que mesmo com estas escolhas, o dialogo com os programas privados continuou existindo, plataformas como o Conexão Vivo que não apoiavam festivais passaram a operar, e o próprio edital da Petrobras ganhou fôlego. Agora, o grande desafio, no meu ponto de vista é conseguirmos equilibrar estes dois momentos, dando sequência a construção dos alicerces políticos, mas apostando fortemente na retomada deste dialogo com a iniciativa privada, não apenas na busca de programas de patrocinio, mas também na busca de negociação coletiva de produtos e serviços que todos os festivais utilizam, como, por exemplo, as passagens aéreas.

:: Do que você sente falta no que é produzido hoje na música brasileira?

Cara, acredito que hoje vivemos um periodo maior de abundância, que não necessariamente gera qualidade, mas diminui as ausências e carências. Não sou um crítico de arte para propor tratados estéticos aqui, e acredito que a principal diferença do que estamos fazendo é criar plataformas e possibilidade para que as formas de manifestação artistica, sejam elas quais forem, possam se comunicar. Se formos olhar para o que é produzido massivamente sinto muita falta de conteúdo. Durante muito tempo reclamei da ausências de boas letras, que ficassem a altura da qualidade musical do arranjos, mas até neste ponto, acredito que nesta última década esta carência foi muito bem suprida. Como eu disse, num país como o Brasil, com todas as mudanças que ocorreram no mundo da música fica difícil sentir falta de alguma coisa. Talvez o que falte seja eu viajar mais e pesquisar mais, porque sem dúvida tem muita coisa boa sendo feita.

:: De volta aos festivais. Você falou muito em qualificação. O que você sente falta nos festivais que são produzidos no Brasil hoje?

Bem, se avaliarmos de forma relativa acredito que já avançamos muito perto de 5 anos atrás, mas sem dúvida ainda precisamos avançar muito. Talvez a principal carência hoje esteja ligada a instabilidade dos financiamentos sendo impossível trabalhar com planejamentos q extrapolem um ano. Esta instabilidade acaba gerando uma série de problemas que poderiam ser solucionados se tivessemos uma melhor condição de planejamento e negociação. Isso só vai ser solucionado com o desenvolvimento de programas públicos e privados mais consistentes, e por isso a necessidade de termos um equilibrio nesta atuação com o poder público e a iniciativa privada, sabendo inclusive trabalhar a criação de um mercado próprio, impulsionado pela formação de público e qualificação de nossos produtos, que possam nos garantir cada vez mais autonomia.

http://www.popup.mus.br/2011/01/03/entrevista-talles-lopes/

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